Um discurso de homenagem ao meu pai

Meu pai que tanto amo, a morte decidiu que chegou a sua hora e nenhuma linguagem humana é rica o suficiente para poder expressar toda a dor e tristeza que sinto.
Mas garanto-lhe que a morte não é forte o suficiente para quebrar o amor que nos une.
Para homenageá-lo neste dia tão especial, sugiro que falemos sobre quem foi meu pai, sua trajetória e o vínculo que nos une.

Quem foi meu pai

A jornada dele

Você começou do nada, sem nenhum diploma. Como se não bastasse, você foi emancipado aos 16 anos, logo após ver seu pai morrer com dores insuportáveis. Então, deixado por conta própria, você conseguiu, através de muito trabalho e auto-sacrifício, se tornar um engenheiro de computação, um excelente professor e um cavaleiro acadêmico das palmas.
Você provavelmente deve seu sucesso à paixão pelas novas tecnologias, ao incrível respeito pelo conhecimento e ao encontro com a mulher que se tornaria minha mãe. Com ela vocês formaram uma dupla incrível repleta de puro amor, cumplicidade e projetos comuns.

O vínculo que nos une

Quanto ao vínculo que nos une, porém, é tão único que é difícil encontrar as palavras certas para descrevê-lo. Então prefiro fazer isso através das minhas memórias.

Ao longo da minha infância

Lembro-me de brigas de água por todo o apartamento com a mãe nos repreendendo por colocá-la em todos os lugares.
Lembro-me das brigas de espuma no banho todos os domingos à noite.
Lembro-me das bonecas que você fez para mim com rolha de champanhe e pedaço de tecido.
Lembro-me das corridas de carros que fazíamos com 2 borrachas e 4 grampos.
Lembro-me dos passeios pelos parques de mãos dadas.
Mas que alegria foi crescer ao seu lado! Que alegria!
Não tínhamos muito e mesmo assim tínhamos tudo.

Vejo todos aqueles momentos que fazem de um homem um pai e de um filho uma criança feliz.

Ao longo da minha adolescência

Lembro-me de quando fiquei em silêncio esperando por você quando você foi fazer reparos em sua própria empresa de TI.
Lembro-me das aulas noturnas e dos exames de fim de semana em que ele, no início de cada sessão, perguntava aos professores se eu poderia ficar no fundo da turma, garantindo-lhes que não faria barulho.
Lembro-me de quando o acompanhei em suas substituições emergenciais no Ministério da Educação nacional como professor auxiliar.
Lembro-me de estar ao lado dele quando ele se preparava para o concurso para se tornar professor de tecnologia.
Lembro-me das tardes de quarta-feira que passava nas salas de leitura do CDDP e depois do CRDP enquanto ele trabalhava nos projetos educativos da academia de Montpellier.
Lembro-me de seus alunos que o apelidaram de “Mazou” porque o adoravam.
Lembro-me da jovem que teve a perna atropelada em frente às salas de tecnologia do colégio Lattes e a quem ele correu para resgatar. Seus pais, tanto quanto ela, não sabiam como agradecer.
Lembro-me dos seus antigos alunos, muitas vezes de turmas difíceis, com quem por vezes encontrávamos e que lhe agradeciam por lhes ter apresentado uma paixão que lhes daria um futuro.
Lembro-me de um estudante que quebrou a perna pouco antes de uma viagem organizada aos Estados Unidos e que carregava nas costas em cada excursão para poder desfrutar plenamente da Califórnia.

Vejo todos aqueles momentos que fazem do pai um modelo e do filho um adolescente.

Tornando-se um jovem

Guardo com carinho a lembrança dos momentos em que às 4 da manhã ele enfiou a cabeça no meu quarto porque ficou preocupado ao ver a luz do meu escritório ainda acesa. Ele me dizia: “Está ficando tarde, você vai ter dificuldade para acompanhar a aula amanhã”.
Guardo com carinho a lembrança de sua felicidade ao ver minha nota 20/20 na prova de Matemática do Exame Competitivo Nacional das Grandes Écoles.
Guardo com carinho a lembrança do momento em que ele me ensinou a dar o primeiro nó de gravata para minhas entrevistas.
Guardo com carinho a lembrança do momento em que ele veio me buscar uma noite em Nice, depois dos meus exames de admissão, e dirigiu a noite toda para me levar para repetir o exercício na manhã seguinte em Grenoble.
Guardo com carinho a lembrança do momento em que ele me acompanhou até o avião que me levaria para estudar em uma universidade americana.
Guardo com carinho a lembrança do momento em que ele veio me ver depois de terminar meu primeiro dia de trabalho na sede de um grande banco em Paris.

Vejo todos esses momentos que deixam um pai, um pai orgulhoso do filho; e um filho, filho de seu pai.

Um anjo entre os homens

Você tinha 58 anos e eu 26 quando foi diagnosticado com câncer de próstata.
Vejo seu rosto cheio de angústia e incompreensão no carro na volta.
Vejo novamente sua preocupação e sua dor misturadas com seu desejo de não deixar nada transparecer.
Eu vejo nosso mundo desmoronando!
Vejo-me em todos os quartos de hotel, todas as noites, gritando de dor até perder a voz, batendo nos colchões até não conseguir mais levantar o braço, procurando explicações até perder a cabeça.
Eu me vejo acompanhando ele em cada especialista.
Eu me vejo indo ver você todos os dias no hospital depois da sua operação.
Vejo você permanecendo digno, bom e benevolente apesar de todos os tratamentos.
Eu te amo demais para aceitar a situação.
Mas por que a vida lhe custou tanto?
Estou perdido !

Lembro-me desta noite em Mônaco, onde não sabia mais o que fazer para ajudá-lo a superar isso. Vejo-me olhando para essa devassidão de riqueza e dizendo a mim mesmo que tenho o direito de ter sucesso suficiente para poder salvá-lo! A partir daí fiz o juramento de “Mônaco”, o “juramento de Mônaco” é simplesmente o juramento de fazer tudo, de tentar de tudo para tirá-lo dali e de nunca desistir.
Além disso, todo verão, pedirei a você e à mãe que compareçam ao meu aniversário em Mônaco, sem dar nenhuma explicação.

Vejo todos os momentos de esperança.
Revivo todas as decepções, cuja intensidade continua aumentando com o passar do tempo.

Mas por que a vida custou tanto a um anjo?

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Não posso esquecer que apesar de tudo isto, ele foi inscrito como voluntário em 3 associações diferentes para ajudar o próximo.
Não posso esquecer que apesar de tudo isto manteve uma dignidade exemplar e lutou como um leão sem nunca desistir.
Não posso esquecer que apesar de tudo isso, ele fez de tudo para preservar a minha mãe e a mim.

Lembro-me de todos aqueles momentos que fazem de um filho um guerreiro, e de um pai, um anjo!

Amor eterno

Senhora Morte, eu lhe digo, não importa se você tirou meu pai de mim, você não será capaz de quebrar o amor que nos une. E, como meu pai me incutiu, pretendo responder a você amando-o ainda mais, com um amor tão puro e tão poderoso que transcenderá a morte.
Assim, sei que mesmo para onde você o levou, você não conseguirá impedir que sua alma sinta a força desse amor.

Meu pai, meu anjo, eu te amo!